terça-feira, 2 de dezembro de 2008

CPI das Milícias

Marcelo Freixo entregou o relatório final da CPI das milícias a Tim Cahill, representante da Anistia Internacional para assuntos do Brasil.


ENTREVISTA DE MARCELO FREIXO PARA GABEIRA.COM


O Deputado Estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ), logo em seu primeiro mandato, desafiou o poder das milícias no Rio de Janeiro através do poder legislativo. As conclusões a que chegou a CPI que presidiu são assustadoras, mas também mostram o poder regenerador da ética dentro do parlamento. Esta entrevista foi dada com exclusividade ao gabeira.com antes da votação do relatório final em plenário. Freixo disse que gostaria de vê-lo aprovado sem emendas. Será que conseguiu?

Depois de cinco meses de um trabalho extenuante, quais são as principais conclusões a que chegou a CPI das Milícias?

Na verdade, não chegamos a conclusões agora no final dos trabalhos. No início de nosso mandato, em fevereiro 2007, nós apresentamos o pedido de CPI. Esse pedido hibernou por mais de um ano aqui na Assembléia Legislativa. Naquela época, nós já tínhamos clareza de que a CPI das Milícias era a maior contribuição investigativa que o parlamento poderia dar ao Rio de Janeiro. Só que era um mandato novo, não havia sequer força partidária e havia cerca de vinte e tantos pedidos de CPI anteriores ao nosso. Então entramos em uma fila, já que só podem funcionar sete CPIS ao mesmo tempo na casa. Eu já até havia perdido a esperança e lamentei muito, porque tinha certeza de que aquela era uma tarefa importante. Passou o ano de 2007 inteiro, boa parte de 2008, a gente sempre tocando nesta questão das milícias, que estavam tendo um crescimento muito grande de oito anos para cá, e não havia nenhuma reação do poder público, ou dos veículos de comunicação, diante do poder das milícias. Até que acontece o episódio da Favela do Batan, com os jornalistas de O DIA. Aquilo ali foi um marco decisivo. Aquele episódio, quando a milícia atingiu quem não podia atingir, foi o maior erro que as milícias cometeram no Rio de Janeiro.

Você compararia isso ao episódio do Elias Maluco com o Tim Lopes?

Sem dúvida alguma. Ali a sociedade falou: epa, o que é isso? Enquanto as milícias atingiam as populações pobres, nordestinas e negras das favelas, ninguém dizia nada. Pelo contrário, o prefeito César Maia fazia discursos dizendo que aquilo era "um mal menor". As autoridades de segurança claramente faziam um discurso usando o "mal menor".

O prefeito eleito também...

Exatamente. Há uma gravação dele no RJTV, que circula na internet, dizendo claramente isso. Eu me reuni com o comando da Polícia Militar com a Julita Lemgruber, com o Jailton, com vários especialistas em segurança, para falar especificamente sobre isso, e saímos de lá estarrecidos, pois a resposta era a de que a polícia não podia fazer nada porque quando entrava numa área de milícia não havia possibilidade de confronto. Então não havia como enfrentar as milícias, essa foi a resposta oficial. "Isso é óbvio, não é, comandante", eu disse a ele, "eles são policiais", e nós não estamos falando de uma guerra, mas de investigação e enfrentamento... Bem, aquele episódio de O DIA marca uma posição. Parte da imprensa começa a olhar com outros olhos e questionar, e nós ganhamos força aqui dentro. Uma semana depois o nosso pedido de CPI é desarquivado, vai à pauta, não havia nenhuma CPI funcionando na casa, e o presidente da Assembléia se compromete comigo a aprovar o pedido. Nesse momento, o próprio governo do estado muda sua postura em relação às milícias e pega Campo Grande como eixo central de enfrentamento. Mas só lá: em Jacarepaguá, por exemplo, não há um enfretamento das milícias como nós achamos que deveria haver. É verdade também que em Campo Grande houve um episódio, que foi o lançamento de uma bomba contra uma delegacia, a 35º DP. Ou seja, na mesma semana em que aprovamos a CPI, a milícia joga uma bomba em uma delegacia. Isso também levou o governo a ter que reagir e priorizar o enfretamento em Campo Grande. Ou seja, o nosso trabalho já se inicia com uma série de convicções que acabam sendo reforçadas pelas conclusões a que chegamos.

Quais são elas?

Primeiro, a definição do que é milícia. É preciso não confundir com segurança clandestina. Milícias são grupos armados que dominam territórios, formados e controlados por agentes públicos da área de segurança, que dominam diversos serviços, entres os de gás, a "gatonet", vans, água, grilagem de terras, taxas de segurança...

A construção civil...

Sim, sim, em várias áreas eles têm um controle muito grande sobre a comercialização imobiliária, então, se alguém vende um imóvel, um percentual desse imóvel tem que ser dado para a milícia. Milícia é negócio. Milícia é questão econômica. Essa é uma conclusão central. Eles vão atrás de dinheiro, de riqueza. Só que se estruturam através da dominação de territórios e utilização do aparato público, já que são agentes do poder público. Por exemplo, quando a milícia toma o território do tráfico, muitas vezes quem tira o tráfico é o batalhão, e depois fica a milícia. Então se articula a utilização do aparato estatal para garantir interesses privados. Ou seja, não é só o agente público. É o agente público utilizando o aparato estatal, muitas vezes com acordos com delegacias, com os batalhões, o mesmo grupo controlando hospitais, escolas, fazendo tráfico de influência na merenda escolar, nos medicamentos que chegam ao hospital... Por isso é que a gente diz que não é o estado ausente, mas o estado leiloado. E neste sentido, eles representam uma ameaça muito maior do que os vários outros grupos criminosos que atuam no Rio de Janeiro. Por um motivo: além de serem muito mais organizados, eles atuam por dentro do aparato público. E contaram com a conivência do poder público, tanto municipal como o estadual. Não surpreende que antigos membros da área de segurança pública tenham sido muito bem votados em áreas de milicianos.

A partir dos anos 80 houve uma tentativa de tipificar o tráfico de drogas como o crime organizado no Rio de Janeiro.

O tráfico é organizado, mas não dentro das favelas. Ele é organizado dentro da sua complexidade internacional, no tráfico de drogas, de armas, nas operações internacionais. Na sua ponta mais pobre, é um mecanismo perverso de utilização da miserabilidade. O crime nas favelas é o crime desorganizado. E aí há uma diferença fundamental. Quando você entra em uma favela e vê o varejo das drogas, você vê o garoto fazendo questão absoluta de se colocar à margem do estado, à margem da lei. É o fuzil, é a sandália havaiana, é a gíria, é o enfrentamento com a polícia, a morte do policial, é a negação de tudo o que é público. A milícia, não. Eles têm o distintivo, a arma, o discurso moral, a ordem, é um outro viés da construção criminosa. Para o miliciano é muito importante não perder o distintivo, não perder a arma. Ele utiliza uma moral que é a moral da ordem. Contra o funk, contra a baderna, contra as drogas, mas sempre através do terror. A milícia se constitui em cima do homicídio. A venda da segurança pelo terror que eles podem provocar. É o "eu lhe protejo de mim mesmo".

Estes grupos que atuam no estado são bem organizados? Algo parecido com a Máfia americana?

Algumas sim, outras não. Em Campo Grande, com a Liga da Justiça, eles tiveram uma estrutura familiar que se aproximou muito da estrutura das máfias. Ali era uma família, e os gestos simbólicos eram muito das máfias, mostrar as algemas... Ali sim, com expectativa de poder, almejavam a prefeitura, já tinha um vereador, um deputado, lançam um outro candidato a vereador que era filha, e tinham um controle muito maior do que apenas uma comunidade, era um bairro inteiro, com muitos negócios. Ali era a maior milícia do Rio de Janeiro e em expansão! Em Jacarepaguá, que é outro foco grande das milícias, não há nada igual: é uma milícia em Gardênia Azul, outra em Rio das Pedras, mais uma em Curicica...

Uma não invade o território da outra...

Sim, eles têm pactos, têm acordos, mas não formam uma Liga, ou algo mais organizado.

Divisão de negócios.

Claro, milícia é negócio, mas negócio que se desdobra em braço político. Ao contrário do tráfico, não é? Vou dar um exemplo. Todo mundo falou muito da eleição da Rocinha. Este rapaz (Claudinho da Academia) foi eleito pela lógica do curra eleitoral onde estão os interesses do tráfico, mas dificilmente o trafico vai se reunir para propor a ele um projeto de lei na Câmara dos Vereadores. Isso não vai acontecer. Não há essa cabeça política no varejo da droga. Na milícia, não. A milícia interfere nos serviços públicos, no funcionamento do estado porque eles são agentes públicos. A natureza é distinta. São muito mais ameaçadores. Apresentaram projetos de lei aqui na Assembléia, falando em Polícia Comunitária.

Este relatório final da CPI foi apresentado à Anistia Internacional.

Este relatório foi aprovado na CPI, será apresentado ainda esta semana à Mesa Diretora para ser votado pela Assembléia, e então será encaminhado ao Ministério Público. O que nós fizemos foi entregá-lo em caráter simbólico à Anistia, que estava no Rio para isso.

Qual a importância desta entrega para a Anistia?

Muito importante. A Anistia é hoje a organização não-governamental mais importante do mundo, tem sede em centenas de países e é muito parceira do nosso mandato há muito tempo. Trabalhei muitos anos com a Anistia antes de ser eleito deputado. Ela dá muita visibilidade a estas questões e tira do Rio de Janeiro este debate, porque este não é um debate só carioca, mas um debate que a política nacional tem que fazer: várias medidas que a CPI está propondo são medidas de resolução nacional, como desarmamento dos bombeiros, a tipificação do crime de curral eleitoral, maior controle sobre os centros sociais, temas que o Brasil tem que debater. Estas resoluções não vão enfraquecer só as milícias, mas outros grupos criminosos que atuam em vários estados do Brasil. E a Anistia permite uma cobrança ao poder público vinda da sociedade civil. A sociedade civil tem que entrar neste debate. Não é do parlamento, do ministério público, da polícia civil, da polícia federal, este é um debate da sociedade. Então nada melhor do que pegar uma entidade representativa da sociedade para estar cobrando. Assim como a OAB, uma das nossas propostas é que a OAB crie uma ouvidoria específica sobre milícias. Estou só esperando que o presidente da OAB volte de viagem para entregar o relatório para que possam ser feitas cobranças aos poderes constituídos.

Como parlamentar você se sente recompensado depois de tanto trabalho? Qual é o próximo passo?

Bem, eu espero que o relatório seja aprovado na íntegra, porque certamente serão apresentadas emendas... Vão tentar alterar uma coisa ou outra, vão tentar tirar alguns nomes da lista de indiciados. São 226 indiciados, isso é um negócio impactante para uma CPI, nunca aconteceu no Rio de Janeiro. As propostas são ousadas. Aqui dentro eu sei que vou enfrentar resistências, até corporativas, na proposta de desarmar os bombeiros. Vai haver emenda sobre isso, e vamos tentar derrotá-la. Porque seria muito importante que a Assembléia aprovasse o relatório na íntegra. Este ano eu quero me concentrar na aprovação do relatório e na distribuição dele entre os mecanismos de cobrança. É muito importante que as Câmaras Municipais criem as suas Corregedorias e seus Conselhos de Ética. Eu quero conversar com os vereadores eleitos, pois não tem cabimento que uma cidade como o Rio de Janeiro tenha uma Câmara de Vereadores sem Corregedoria e sem Conselho de Ética. É inadmissível para qualquer cidadão um negócio desses. Então eu quero firmar um compromisso com os novos vereadores e os bons vereadores que se reelegeram de criar esses órgãos e investigar. Houve gente da milícia eleita... Tem o seu Girão e a sua Carminha, eleitos esse ano, que a gente espera que não consigam assumir, e aí depende da Justiça Eleitoral, mas a Corregedoria e a Conselho de Ética da Câmara dos Vereadores pode fazer algo. Esse ano foi um ano muito difícil na Assembléia Legislativa, mas foi um ano vitorioso. Ele começou com a denúncia da bolsa-fraude, que fomos nós que fizemos, e que levou à cassação de duas deputadas. Depois nos tivemos o episódio do deputado Álvaro Lins, e nós já tínhamos pedido a cassação dele em agosto do ano passado. Foi um ano muito tenso, onde a Assembléia cortou na própria carne. E chegamos ao fim do ano com três deputados cassados, e mais um que não foi cassado porque renunciou. Mas é uma limpeza na casa, uma reação importante, importante para o estado democrático de direito. Então toda casa legislativa tem eu ter esta postura. É fundamental para a democracia. Porque há dois campos, dois cortes na política. Tem o ideológico, que perpassa os partidos, perpassa a concepção de estado, mas tem o ético, que está acima desse, tem um campo ético que não pode ser questionado. A gente precisa travar o debate ideológico, mas não pode travar o debate ético, este tem quer feito por princípio, não pode haver flexibilização ética no parlamento. Quero ir a Brasília, quero conversar com a bancada federal, com o Gabeira, com o Chico Alencar, com os deputados federais eleitos pelo Rio de Janeiro para que estas propostas sejam propostas da bancada do Rio, e eu tenho certeza de que teremos muitas adesões. O próprio Raul Jungmann já me ligou dizendo que quer fazer uma audiência pública na Comissão de Segurança da Câmara para fazer um debate sobre o relatório da CPI, ou seja, há desdobramentos que têm que ser feitos este ano ainda.

Fonte: http://www.gabeira.com.br/noticias/noticia.asp?id=7796


Marcelo Freixo entregou o relatório completo da CPI das milícias a Tim Cahill, representante da Anistia Internacional para assuntos do Brasil. O objetivo da ação, ocorrida no dia 21 de novembro, no Iser, é transformar o debate sobre a atuação desses grupos em um tema nacional e internacional. De acordo com Cahill, é importante que as autoridades internacionais saibam o que está acontecendo no Brasil para que possam cobrar dos governantes brasileiros uma ação efetiva contra o processo de criminalização dos agentes de segurança do Estado. A Anistia pretende ainda pressionar o governo para que siga as indicações propostas pelo relatório final da CPI. Agora, a luta dentro da Alerj é fazer com que o documento seja aprovado na íntegra para evitar emendas que possa descaracterizá-lo.

Na ocasião, Tim Cahill falou da campanha internacional de visibilidade e reconhecimento ao trabalho prestado pela CPI das milícias. Lançada em mais de 70 países, desde o mês de outubro, a iniciativa pretende denunciar e exigir a segurança dos integrantes da CPI. Segundo Cahill, o Parlamento Britânico ficou de passar para o seu ministro de relações exteriores as recomendações apresentadas pela campanha. Saiba mais sobre esta iniciativa em www.marcelofreixo.com.br/site/

Fonte: http://www.marcelofreixo.com.br/site/index.php?page=noticias&id=952&sectionid=12&catid=24


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